A melhor maneira de explicar e resumir “Transformers: O Despertar das Feras”, que estreou esta quinta-feira nas salas portuguesas e que arranca uma nova trilogia da saga, é: enganaram-nos bem com “Bumblebee”. Porque aqui as feras saltam e cospem fogo, mas despertaram pouco e ainda estão com ramelas.
Parece que não, mas o primeiro "Transformers" com Shia LaBeouf e Megan Fox estreou há 16 anos. E independentemente da opinião dos críticos não ser - de todo - um mar de elogios e de estrelinhas (pontuação?), a realidade é que os cinco filmes "originais" (2007, 2009, 2011, 2014 e 2017) renderam muito dinheiro à Paramount e à Hasbro. E por mais que se diga que são filmes pipoca e de espalhafato visual em Dose IMAX, e que não servem outro propósito que não o de vender brinquedos e bilhetes à pala de efeitos visuais, devemos mesmo continuar a ter robôs gigantes à bulha por terra, mar, ar, no espaço e mais além.
Isto porque em 2018 saiu "Bumblebee", o primeiro filme sem a chancela do realizador Michael Bay, e que provou ser a lufada de ar fresco. Há robôs na mesma, mas é um filme bem mais intimista, nostálgico e pequeno (em escala, pois não tem o espalhafato habitual dos anteriores). E é, talvez, o melhor da saga (houve quem escrevesse ser o filme dos Transformers pelos quais os fãs desenhos animados e brinquedos dos anos 80 esperavam).
Volvidos cinco anos, os Transformers estão de regresso com "O Despertar das Feras", o primeiro de uma nova trilogia, que estreou esta quinta-feira nas salas portuguesas. Mas em vez de continuar o que tinha sido feito no anterior, o realizador Steve Caple Jr. ("Creed II") voltou a carregar na ação e fugiu daquilo que tanto valorizou e mereceu elogios em "Bumblebee". Visto o filme, a sensação que dá é que alguém fez ver que "Bumblebee" era "demasiado parado" e Caple Jr. foi buscar um pouco da fórmula e extravagância dos primeiros Transformers para tentar agradar aos da facção "ação", mas tentando preservar algumas nuances de "Bumblebee". E não conseguiu.
Como seria expectável, "O Despertar das Feras" arranca com o já clássico prólogo habitualmente preguiçoso da saga. Neste caso, o malfadado serve para nos apresentar uma nova espécie de Transformers, os Maximals (as Feras do título), que juntamente com os Autobots (os robôs bons), lutam para salvar a Terra de Unicron, um temível vilão que come planetas para sobreviver e que anda atrás da Chave Transwarp, uma engenhoca que consegue abrir buracos negros e viajar através do tempo e do espaço — que, por azar, com tão poucos planetas no universo, acabou logo por vir parar ao nosso.
(Não consigo deixar de pensar se esta introdução não levou a pelo menos a uma troca de mensagens no WhatsApp entre o departamento jurídico da Disney. É que o vilão de "O Despertar das Feras" só me faz lembrar o Galactus, um dos vilões mais conhecidos da Marvel — também come planetas.)
A nível de enredo, a história dá um salto de sete anos após os acontecimentos de "Bumblebee", em que viajámos nostalgicamente pelos anos 80. Agora, em "O Despertar das Feras", damos um salto até à Brooklyn dos anos 90 para apanhar os resquícios da Golden Age do hip hop com umas Air Jordan nos pés.
É então que somos apresentados ao protagonista Noah Diaz (Anthony Ramos, de "Hamilton"), um génio da engenharia eletrónica que tenta ajudar a mãe solteira a sustentar a família e que deixou o exército quando o irmão mais novo adoeceu. Como é óbvio, a vida de Diaz está longe de ser fácil. Até ao dia em que decidiu ir roubar um carro e como consequência passa a ser o correspondente humano dos Autobots (os robôs bons) e vira "best bro" do Autobot Mirage (um Porsche 911 Carrera RS 3.8 com a voz de Pete Davidson, que parece ter gravado as falas nos intervalos do podcast do Logan Paul tal é quantidade de "yoooos").
Porém, Diaz não é o único protagonista humano. Ali perto, num Museu, está uma jovem e brilhante arqueóloga estagiária chamada Elena Wallace (Dominique Fishback, "de Judas e o Messias Negro"), que além de ter um carrinho modesto com um autocolante fofo de um dinossauro, descobriu acidentalmente (claro…) metade da Chave Transwarp (a tal do prólogo). Se vamos saber mais do que isto sobre Elena? Só que ia a uma pizzaria com o pai em Brooklyn que Diaz conhece. Mais do que isso? Está quieto, que não é preciso. Já sabemos que ela é notável e isso chega para justificar que Elena vai fazer aquilo que uma raça alienista com tecnologia capaz de viajar no tempo e comer planetas não consegue: decifrar que a outra metade da Chave está no Peru, e deslindar a combinação especial que vai fazer a Chave Transwarp funcionar quando lá chegar.
O resto da história? Não há muito mais acrescentar além de que vão para o Peru, existem graçolas sobre o que deve ou não ser cancelado, e travam uma épica batalha final (em que departamento jurídico da Disney volta a ser convocado porque há um momento que o Iron Man saiu da reforma e pintou o seu fato de azul para ajudar o Optimus Prime).
A menos, claro, que contemos com as piadas do robô de Pete Davidson e a incongruência narrativa. Aí, já se pode acrescentar algo.
Isto porque “O Despertar das Feras” é uma salganhada pegada. Como quer cobrir tanta coisa, acaba por não cobrir coisa nenhuma. Primeiro foca-se em Noah e no irmão mais novo; depois já é a relação de amizade entre Noah e Mirage (o Porsche); a seguir é o desenvolvimento da relação entre Noah e Elena; no fim é camaradagem militar entre Noah ‘Iron Blue Man’ Diaz e Optimus Prime quando estão a bater no Boss final, a.k.a Scourge (Peter Dinklage). A agravar a situação, está também no que o filme não se foca: nas Feras (os Maximals).
As Feras Airazor (Michelle Yeoh) e Optimus Primal (Ron Perlman) estão lá apenas e somente para dizer ao Optimus Prime (o camião azul e vermelho do eterno Peter Cullen) que os humanos não são tão maus quanto isso e que valem a pena serem salvos. De resto? Pouco ou nada acrescentam. Já para nem falar de Cheetor e Rhinox, os outros Maximals do Quarteto das Feras! Bom, dou uma pista: o tempo de antena é quase o mesmo do que o do trailer. Mas, hey… sempre dá para ver uma chita-robô a dar umas corridas ao lado de um Chevrolet Camaro 1977 Z28 amarelo com listas pretas.
Repare-se: o próprio título sugere a promessa de que há Feras a despertar. E na verdade o que há são Feras que ou não despertaram ou se despertaram estão cheias de ramelas nos olhos porque só parecem servir para balbuciar banalidades ao pé dos Autobots que já conhecemos há mais de uma década. Elas aparecem, estão lá, matam uns quantos robôs maus, mandam umas larachas pseudo-inspiradoras e ajudam a dar corpo nas sequências de ação. A sua importância para a história? É quase zero.
Pior. Então, mas num filme (teoricamente) sobre os Maximals (as Feras) em que há Ron Perlman a fazer de um gorila gigante mecânico ou Michelle Yeoh a emprestar a voz a um falcão-robô que cospe fogo tipo um dragão dos Targaryen, os protagonistas continuam a ser os de sempre?