No último episódio do podcast Acho Que Vais Gostar Disto, a conversa gira em torno de "Pobres Criaturas", o novo filme do realizador Yorgos Lanthimos, nomeado a 11 Óscares e vencedor de dois Globos de Ouro.
Ouve aqui o episódio de "Pobres Criaturas"
"Pobres Criaturas" é a última incursão pelo imaginário visceral e muito visual de Yorgos Lanthimos, realizador de "A Favorita", conhecido por mergulhar as suas personagens em ambientes bradados a humor negro e circunstâncias absurdas. Neste seu novo filme, que em algumas nuances faz lembrar "Canino" (2009), uma das suas primeiras longas, o grego convida o espectador a assistir à incrível evolução de Bella Baxter (Emma Stone), uma jovem mulher cujo corpo foi ressuscitado ao estilo de Frankenstein pelo Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), um cientista brilhante/homem traumatizado que quer levar a sua ciência e a sua arte tão longe quanto possível (estando um pouco a marimbar-se para as regras da sociedade em que vive).
Na história, acompanhamos então o crescimento e maturação de Bella, um bebé preso no corpo de uma mulher adulta — e que a cada dia que passa fica ansiosa por aprender mais e absorver tudo o que a rodeia. Até que a determinada altura, faminta da mundanidade da vida que lhe falta e a sentir-se enclausurada pelas amarras e limites impostos pelo seu criador, Bella decide fugir com Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), um advogado debochado, numa aventura turbulenta que passa por várias cidades (Paris, Londres, Lisboa, Alexandria). E é durante essa escapadela envolta numa enorme aura de curiosidade que vamos testemunhar a jornada de emancipação de Bella, que vai combatendo amiúde os vários estigmas e preconceitos do seu tempo (o filme é propositadamente ambíguo quanto à data em que a ação decorre, embora misture a Era Vitoriana do séc. XIX com um futurismo distópico).
Resumir o filme em poucos parágrafos é difícil, mas João Dinis, uma das vozes do podcast, tentou fazê-lo. "É um coming of age feminista de um monstro", sugere, completando que aquilo a que assistimos é a "absurdidade" esperada quando se faz a "transferência de cérebro de um bebé e metemo-lo num corpo de um adulto" — com tudo o que possamos imaginar implicar do ponto de vista social e humano.
Mas "Pobres Criaturas" não é só sobre as dores de crescimento e os primeiros passos descoordenados de Bella durante a transição da infância até chegar à vida adulta. A par dos temas da sexualidade e dos constrangimentos sociais com os quais a personagem principal tem de aprender a lidar, é explorada também a necessidade de os homens do filme quererem controlar todos os aspetos da vida de Bella. Quem o diz é o australiano Tony McNamara (indicado ao Óscar por "A Favorita" e criador da série "The Great", é o argumentista responsável por adaptar o livro homónimo do escocês Alasdair Gray, publicado em 1992 e que está na origem desta história). Segundo McNamara, o filme, apesar tocar em temas como o feminismo, a ética, entre outros, é igualmente uma sátira mordaz aos homens.
A dar corpo e vida a tudo isto está um elenco repleto de talento, com nomes e caras conhecidas dos aficionados do cinema e séries, que vão bem além do trio principal. Emma Stone (que, é importante frisar, assume também o papel de produtora), Mark Ruffalo e Willem Dafoe são obviamente os nomes que mais saltam à vista, mas Christopher Abbott, Margaret Qualley, Ramy Youssef ou Jerrod Carmichael também prestam o seu contributo. Porém, para o singelo coração luso, há outras duas personagens que são mais do que meros panos de fundo: a cidade de Lisboa e o fado de Carminho (mais concretamente a cena em que interpreta o tema "O Quarto").
No livro original, a narrativa decorre em Glasgow. Na adaptação para cinema, esta salta para várias cidades, sendo a capital portuguesa uma delas (ainda que com ares futuristas). É lá que Bella, depois de fugir com a personagem de Mark Rufallo, descobre o mundo e quer viver e experimentar tudo — desde um Pastel de Nata aos prazeres da intimidade. É também em Lisboa que, pegando nas palavras de Rufallo, os dois constroem uma relação "ao estilo Sid [Vicious] e Nancy [Spungen] da Era Vitoriana", pois juntos são "apenas destruição, hedonismo e sexo".
"Pobres Criaturas", de resto, é um dos favoritos da crítica de 2023 e já amealhou mais de 350 nomeações para prémios. O sururu começou com o Leão de Ouro em Veneza, galvanizou ao ser o vencedor de dois Globos de Ouro — Melhor Filme (Musical ou Comédia) e Melhor Atriz (Musical ou Comédia) — e nesta última semana recebeu 11 nomeações para os Óscares (incluindo as de Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Atriz Principal, Melhor Ator Secundário e Melhor Argumento Adaptado).
Contudo, não se pode falar de todo este sucesso sem falar da interpretação de Emma Stone (que já conta com quatro nomeações para os Óscares, ganhando por "A Favorita"). Não só pelo trabalho que desenvolveu para conseguir interpretar os vários estágios de crescimento de um bebé/criança no corpo de um adulto (a fala balbuciada, a simples aprendizagem do andar, a inocência e ingenuidade próprias do desenvolvimento infantil), mas também pela maneira como elaborou toda a transição de uma mulher sem vontade própria e controlada por homens para uma mulher forte e determinada, e que desafiou a mentalidade de uma sociedade rígida ao querer assumir as rédeas do seu destino.
Nos créditos finais, falou-se das nomeações para os Óscares, e de “Capitães do Mundo” (Netflix), “Registo Criminal” (Apple TV+), “Godzilla Minus One” (Cinema), “Echo” (Disney+) e “Pesadelo Americano” (Netflix).
🏆 Já são conhecidos os nomeados dos Óscares!
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, entidade responsável pela organização dos Óscares, revelou esta semana os nomeados que vão competir pelas almejadas estatuetas douradas na 96.ª edição da maior festa do cinema.
Para quem tem acompanhado a temporada dos prémios, não foi propriamente uma grande surpresa ver que “Oppenheimer” está na linha da frente e é o mais nomeado (13 indicações). Imediatamente a seguir, com 11, está “Pobres Criaturas”, cabendo a “Assassinos da Lua das Flores” fechar o pódio dos mais nomeados, com 10.
Curiosidade: Aos 81 anos, Martin Scorsese fez história ao tornar-se o nomeado mais velho na categoria de realização.
Snubs e surpresas: 1) Margot Robbie e Greta Gerwig ficaram de fora (nas categorias Atriz Principal e Realização, respetivamente), mas America Ferrera assegurou uma nomeação para Melhor Atriz Secundária por “Barbie”; 2) nenhum dos atores de “May December” (Netflix) recebeu carinho por parte dos votantes da Academia; 3) Leonardo DiCaprio ficou igualmente de fora dos escolhidos; 4) Alexander Payne (“Os Excluídos”) falha categoria de Realização. Mas há muitos mais casos.
Diversidade: Como refere a Variety, as nomeações podem não ter sido aquilo que as pessoas esperavam, mas há razões para celebrar neste capítulo, nomeadamente o facto de Lily Gladstone ter feito história ao ser a primeira nativa americana nomeada para a categoria de Melhor Atriz, pelo seu papel de Mollie Burkhart em “Assassinos da Lua das Flores”.
✈️ Recomendação para o fim de semana
Mestres do Ar (Apple TV+). Estreou esta sexta-feira a nova série de Steven Spielberg e Tom Hanks, produtores de "Irmãos de Armas" e "The Pacific" (disponíveis na HBO Max). Tal como estas duas minisséries de culto, a ação decorre durante Segunda Guerra Mundial. Agora, para acompanhar os aviadores do 100.º Grupo Bombardeiro, uma fraternidade moldada por coragem, perda e triunfo. O protagonista é Austin Butler (que venceu recentemente o Óscar de Melhor Ator por "Elvis"), mas como acontece nestas andanças, há mais caras conhecidas no elenco.
🎥 Créditos Finais
The Daily Show. Em ano de eleições, Jon Stewart volta a uma casa que tão bem conhece para assumir o papel de apresentador (mas em part-time, que só vai apresentar uma vez por semana, o resto fica a cargo dos restantes correspondentes).
Nicki Minaj. A 'rapper' norte-americana vai ser cabeça de cartaz do festival Afro Nation, que terá lugar no Algarve, em junho.
Justin Timberlake. O ex-NSYNC lançou um novo single (“Selfish”) — que já podes ouvir/ver aqui.
Green Day. “Saviors” marca o regresso aos discos originais dos autores de “American Idiot”. E mal saiu, causou mau estar entre a ala mais conservadora norte-americana. O jornalista Paulo André Cecílio conta tudo neste artigo no SAPO24.
Gisela João. Em entrevista ao SAPO24, a fadista falou sobre um pouco de tudo: das vitórias, dos falhanços, do fado, da música eletrónica de que tanto gosta, e até de sobremesas. Para ler aqui.
The Smile. A nova banda de Thom Yorke e de Jonny Greenwood (e Tom Skinner), que subirá ao palco do Meo Kalorama em agosto, acabou de lançar “Wall of Eyes”, o segundo disco. Já podes ouvir no Spotify, Apple Music e nas restantes plataformas habituais.
The Room Next Door. Julianne Moore vai ser uma das protagonistas do primeiro filme em língua inglesa de Pedro Almodóvar.
Squid Game. A segunda temporada do fenómeno coreano da Netflix vai estrear ainda em 2024 (mais lá para o final do ano).
Let’s look at the trailer
Road House (Filme, Prime Video. Jake Gyllenhaal faz de um ex-lutador de MMA, Connor McGregor - um verdadeiro lutador de MMA - faz a sua estreia na representação. Joaquim Almeida e Daniela Melchior também fazem parte do elenco. Estreia em 21 de março)
Tuesday (Filme da produtora A24. Tem Julia Louis-Dreyfus, um papagaio gigante falador e uma história comovente de amor entre mãe e filha)
Avatar: The Last Airbender (Série, Netflix. Adaptação da famosa anime que em tempos inspirou um filme pouco feliz de M. Night Shyamalan. Estreia a 22 de fevereiro)
Mea Culpa (Filme, Netflix. De Tyler Perry, com Kelly Rowland - sim, a das Destiny's Child).
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