Acho Que Vais Gostar Disto: 30 Metros de Medo e Adrenalina
Segue o Acho Que Vais Gostar Disto no Instagram (@vaisgostardisto) e no Twitter (@vaisgostardisto)
Alguém te enviou esta newsletter? Podes subscrevê-la .
Este fim-de-semana, o mar vai subir
O futebol nasceu em Inglaterra e é na Europa que qualquer jogador da bola quer atuar. Não é raro ouvir uma jovem-promessa uruguaia dizer que o seu maior sonho sempre foi jogar na Liga dos Campeões, não importa se ao serviço do Real ou de uma equipa cipriota que teve sorte nas pré-eliminatórias.
Imagine-se então que, de um dia para o outro, o futebol encontrava o seu lugar perfeito na ilha de Madagáscar?
O clima da ilha durante os últimos anos havia semeado hectares de campos com a relva aparada ao milímetro, descobria-se que o meridiano que atravessa a ilha afinal a coloca na única latitude onde os jogadores milagrosamente conseguem jogar até aos 47 anos e, melhor do que isso, uma mutação no genótipo de toda a população da ilha fazia com que os seus habitantes nascessem sem a habilidade de assobiar, não sendo por isso capazes de vaiar a equipa adversária. Era o futebol de sonho.
De um dia para o outro, os grandes colossos abririam modernos centros de formação na ilha de Madagáscar. Cristiano Ronaldo assinaria um contrato válido por 3 épocas pelo AS Adema, o maior clube da ilha. Contra todas as expectativas, a ilha iria ser a anfitriã do mundial de futebol em 2032. Tudo mudaria de um dia para o outro e o país passaria a ser o epicentro do desporto-rei. Em vez de ser o United a realizar o sonho de um habitante de Madagascar e a levá-lo a conhecer Bruno Fernandes, era o Fosa Juniors FC, outro colosso da ilha, a realizar o sonho de um adepto inglês que sempre quis privar com a estrela madasgascarense (o Priberam diz-me que é possível) Yves Razafindrakoto.
Foi mais ou menos isto que aconteceu com as ondas grandes. Até certa altura, quem desejava surfar uma parede de vinte metros de espuma tinha dois ou três sítios onde o podia fazer.
Em 2005, andavam os surfistas de ondas grandes a passar temporadas em Jaws, no Havaí, ou Mavericks, na Califórnia, e Dino Casimiro, um bodyboarder português, era dos poucos que conhecia o tão bem guardado segredo do canhão da Nazaré.
Não percebendo como é que a Praia do Norte, à data, continuava sem carrinhas de patrocinadores estacionadas a vender t-shirts ao dobro do preço, inflacionadas pelas ondas grandes, decidiu enviar um e-mail com uma fotografia da onda da Nazaré a um senhor que vivia na Califórnia, que não tinha grande amor à vida: Garrett McNamara.
Sorte a dele, há vinte anos os e-mail não ficavam perdidos entre um recibo da Uber Eats e uma newsletter da Amazon a anunciar 10% de desconto em máquinas de barbear.
A partir daqui já conhecemos, ou julgamos conhecer, a história. Garrett tornou-se no primeiro surfista de sempre a descer uma onda de 30 metros, que na métrica americana soa assustadoramente maior - “100 foot wave” - e colocou a Nazaré no circuito mundial de ondas grandes.
Como todas as bonitas histórias que acabam em documentário, o surfista mais destemido do planeta chegou a fazer horários das nove às sete a dobrar calções da Billabong na sua loja de surf.
Nesse tempo, o que sabia do mar era aquilo que os amigos surfistas que lá iam arranjar a prancha lhe contavam. Esse tempo não durou muito. Farto de só poder ver o mar a caminho do trabalho, fechou a loja e foi atrás do sonho: surfar. Percebeu que não era um fora-de-série no surf convencional e procurou reinventar-se nas ondas grandes.
Sorte a dele ou azar dos outros, Garrett estava na praia quando uns amigos tentaram pela primeira vez chegar às vagas maiores do outside com um jet-ski. Foi esse o grande ponto de viragem na modalidade, que Garrett soube tão bem aproveitar, talvez o equivalente a quando o futebol passou a ser jogado com pitons de alumínio e lamento ter de novamente recorrer a uma analogia com bola.
A partir daí nunca mais descansou até encontrar o que queria. “Toda a gente procura a onda de 30 metros, eu estou à procura da de 35, para não haver dúvidas.” Não há dúvidas de que, pelo menos, essa obsessão o terá amargurado, roubado alguns amigos e tirado qualidade de vida. É impossível dedicar tanto tempo a algo sem crucificar uma outra parte da vida.
Algumas dessas histórias estão em “100 Foot Wave”, em português “A Grande Onda da Nazaré”, uma produção da HBO onde está documentado todo o processo desde que Garrett chegou à Nazaré, por culpa de Dino, e se entregou durante dez anos a estudar a maior onda do mundo. Foi essa sua abordagem mais matemática que fez com que batesse todos os recordes.
Muitos depois dele foram lá parar, mas nenhum com o mesmo rigor. Há até alguma desilusão na forma pragmática como McNamara encara o mar, roubando ao surfista alguma crueza que gostamos de imaginar quando o vemos a recortar uma onda num vídeo com grão ao som de Alpha Blondy.
Se em Jaws ou em Mavericks o mar tem um canal lateral por onde os surfistas podem sair da zona de maior turbulência, na Nazaré é o chamado salve-se quem puder. Mas mesmo nestas circunstâncias, Garrett McNamara é um cientista do mar que não tem tempo para errar. Esse seu calculismo chega a ser irritante, faz-nos parecer que descer uma onda de trinta metros tem o mesmo risco associado que descascar uma nêspera com um faca de cozinha.
Vale a pena perder algum tempo com esta série documental de seis episódios que provoca medo mas ao mesmo tempo nos injeta alguma adrenalina para tomar decisões. Afinal, todos estamos a tentar descobrir o caminho entre um emprego estável numa loja de surf e o abismo de uma onda de 30 metros.
Sugestões de coisas para ver e ouvir nas férias? Estão aqui
Antes de entrarmos no mês de agosto, o João Dinis, a Mariana Santos e o Miguel Magalhães reúnem-se para trazer sugestões de filmes, séries, podcasts e álbuns para ouvir nas férias.
Ouve aqui o novo episódio do podcast "Acho Que Vais Gostar Disto" e deixa os teus comentários em vaisgostardisto@madremedia.pt ou no nosso Instagram.
Esperemos que gostes disto!
Equipa Acho Que Vais Gostar Disto
➡️ Também queres dizer "Acho Que Vais Gostar Disto"?
Envia esta newsletter a amigos e família, que poderão subscrevê-la
🖋️ Tens recomendações de coisas de que eu podia gostar? Ou uma review de um dos conteúdos de que falei?
Envia para vaisgostardisto@madremedia.pt