Acho Que Vais Gostar Disto: Lupin e Guilty Pleasures
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Sinto-me em terreno seguro se disser que "Fight Club" é o meu filme preferido - não é - porque sei que vários entendidos irão validar esse meu raciocínio. Mas gostar das coisas de que os grandes iluminados acham que é suposto gostar, embora pareça ousado, é o caminho mais fácil.
Ninguém quer conviver com os fantasmas de assumir que gostou mais do "Toy Story 2" do que do primeiro. Em nenhum clube de leitura do mundo ouvirão dizer que Saramago escreve bem, sim senhor, mas que o que ia bem agora era um Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Mas, a bem da verdade, eu gostei mais daquele capítulo sobre o time-turner da Hermione Granger, do que do Ensaio Sobre a Cegueira inteiro. Até onde estarei eu disposto a ir para esconder que nunca vi o "Padrinho" até ao fim? Tenho mesmo de me sentir culpado por saber de cor todas as canções do "A Star is Born"? Conseguirei guardar apenas para mim que vi a primeira temporada toda de "Riverdale"?
A verdade é que os prazeres culposos são o maior de todos os luxos. Representam o tempo que damos a nós próprios, já que só lhes damos uma oportunidade quando estamos sozinhos e não existem outros para nos julgar. São aquele espelho de elevador, debaixo de uma luz fosca, onde nos apanhamos sozinhos e esprememos com a ponta das falangetas uma cratera de pus na testa. É na culpa que damos tempo à verdade. Há uma intimidade na relação que temos com coisas de que não é suposto gostar, que não se encontra naquelas de que toda a gente “gosta”.
O mais irónico é que as coisas que escondemos dos outros são na verdade as mais vistas também por eles. É o caso de "Lupin", que continua nos mais vistos da Netflix desde a sua estreia, mas que nas minhas conversas com amigos perde espaço para os suspeitos do costume: "Breaking Bad", "Peaky Blinders", "True Detective", por aí.
"Lupin" é uma boa maneira de fazer as pazes com os prazeres que nos fazem sentir culpados. Há pouca novidade em Lupin, certo. Já vimos aqueles truques várias vezes, sim. Mas há ali qualquer coisa que não nos deixa ir embora. O que será? Serão os planos de Paris com o céu pintado de magenta? Será o carisma de Omar Sy enquanto protagonista? O que tornará especial mais uma série onde os pobres são tendencialmente bons e os ricos tendencialmente maus? Por que razão me vejo novamente apegado a um romance policial onde já sei que o herói em fuga jamais será apanhado?
Arsène Lupin foi imaginado por Maurice Leblanc há muitos anos e ganhou uma nova vida nesta versão modernizada pela Netflix. Há uma leveza qualquer no tom que me deixa confortável a ver Lupin, que me surpreende mesmo com fórmulas que eu estou habituado a ver. Não será isto a coisa mais difícil de fazer? Lupin é o mágico que repete o truque e me engana uma segunda vez. Há alguma beleza nessa honestidade com que a história é contada, que faz com a culpa desapareça à medida que o prazer vai crescendo.
Nem só de "Lupin" se fazem bons guilty pleasures. Consigo agrupar em quatro grandes categorias a culpa que sinto a ver coisas de que não devia gostar, a saber:
Family Movies Que Trazem Um Quentinho;
"Dear John", "Love Actually", "The Instant Family", "Marley & Me", "Mamma Mia". Quantos filmes do género terão de ser feitos para que eu desista de os ver? A comédia familiar é o McDonald’s no estrangeiro. Um lugar de conforto que conheço, que acho sempre que é a última vez que lá vou, mas que, não havendo nada melhor, acabo por lá voltar.
Morangos Com Açúcar Kind Of
Eu já vi "Riverdale", eu já vi "Sex Education", eu nem quero começar "Elite" porque sei que vou ver até ao fim. Há qualquer coisa magnética que me atrai para séries que recuperam o jovem desenquadrado do liceu que ainda existe em mim. Talvez seja o síndrome Peter Pan de sentir que, durante pelo menos uns minutos, a minha maior angústia é ter de decorar o sistema digestivo para uma possível ficha surpresa de Estudo do Meio.
Porrada De Meia Noite
A culpa é dos meus pais, que me soltavam no blockbuster de Telheiras onde eu deambulava pelos corredores acumulando cassetes VHS debaixo do braço. O critério de seleção? Porrada na capa do filme. Quanto mais sangue e mais fracturas expostas e mais cabeças a rolar, mais provável era o filme ir parar à minha shortlist de ante-braço. Dela fizeram parte "Guerra dos Mundos", "Tróia", "O Último Samurai", "300". Se tem porrada, Guilherme gosta.
Fim Do Mundo Em Esteróides
O mundo pode estar para acabar, que se apanhar na televisão um filme sobre o fim do mundo, é a vê-lo que vou passar os últimos minutos da humanidade. "2012", "Greenland", "World War Z", "The Impossible", "Contagion": vi todos. Seja qual for a premissa - uma invasão alienígena, um cataclismo natural, uma epidemia descontrolada -, se envolve aniquilar a existência humana, cá estou eu pronto para me sentir absorvido por uma realidade paralela onde a única esperança reside num herói improvável que irá salvar toda a população mundial, desmantelando um bomba de hidrogénio no último segundo antes de ela explodir.
Leram até ao fim? Não se sintam culpados.
Juntámo-nos ao Clube da Felicidade
4,5 milhões de views. Foram estes os números de "O Resto Da Tua Vida" no YouTube, naquela que foi a série que durante algumas semanas colocou em frenesim as milhares de pessoas que viam cada episódio e que não conseguiam perceber se estavam a ver um documentário ou ficção.
Carlos Coutinho Vilhena, humorista e autor da série, veio ao nosso podcast apresentar o "Clube da Felicidade" e a forma como o sucesso da série anterior influenciou este novo projeto. Discutiu-se a felicidade (claro), a origem da inspiração e o potencial do chinelo com meia branca, entre muitos outros temas.
Ouve aqui o novo episódio do podcast "Acho Que Vais Gostar Disto" e deixa os teus comentários em vaisgostardisto@madremedia.pt ou no nosso Instagram.
Esperemos que gostes disto!
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