Acho Que Vais Gostar Disto: Quem escreveu esta história?
Segue o Acho Que Vais Gostar Disto no Instagram (@vaisgostardisto) e no Twitter (@vaisgostardisto)
Alguém te enviou esta newsletter? Podes subscrevê-la .
Quem escreveu esta história do Sporting?
Quando a realidade conspira para me fazer feliz, há uma síndrome de “The Truman Show” que vem ao de cima: será isto real? É aí que imagino um produtor a entrar em cena, um operador de som a carregar uma perche nos ombros, e um realizador - Deus? - a corrigir o overacting do senhor do café que, uns segundos antes, se descaiu cumprimentando-me com um exagerado “Bom dia, meu caro amigo!”.
Esta desconfiança invadiu-me a cabeça no 11 de Maio. É uma história demasiado bonita para ser real. Vi demasiadas séries e já conheço os truques dos argumentistas. Um clube que, nem há três anos, estava numa guerra civil, refém de jogadores emprestados que apenas vinham para Lisboa fazer praia, de repente é campeão com os putos da formação? Não contem comigo para alinhar nisto. É ficção.
Ninguém me tira da cabeça que, nos Óscares do próximo ano, Joaquin Phoenix agradecerá o galardão que há de premiar o papel da sua vida: o de Ruben Amorim. Foi tudo demasiado bem feito para que eu acredite que o mister não seja uma personagem inventada por um argumentista, sei lá, Aaron Sorkin, num escritório com luz fosca, atirando os dedos longos contra as teclas de uma máquina de escrever.
As coisas na vida real são aborrecidas, sistemáticas e sem grandes voltas. Vão dizer-me que devo acreditar que um dos únicos jogadores que não rescindiu com o clube após o episódio de Alcochete havia de se tornar capitão e o melhor jogador do campeonato uns anos depois? Já vi este truque várias vezes, lamento. Matt Damon fê-lo muito bem em “Invictus”, quando capitaneou a seleção de râguebi da África do Sul. É uma fórmula recorrente e Clint Eastwood deveria até processar o Sporting por direitos de autor.
Este campeonato está carregado de todos os ingredientes obrigatórios de um drama desportivo biográfico: a união de um grupo de underdogs, contra quem estavam todas as probabilidades; um líder improvável que com humildade conseguiu conduzir um grupo pouco experiente à vitória; até a conjuntura pandémica dá contornos apocalípticos a uma história que, já de si, tinha potencial de ficção.
O meu regresso à realidade só acontece quando amigos me atiram as habituais maldades sobre só haver registos do último campeonato do Sporting na RTP Arquivo. É por aí que quero ir. Quando Paulo Portas apelidou a coligação PS+Bloco+PCP de “Geringonça”, rapidamente António Costa se apropriou do termo, num acto de ricochete que tornou a palavra “Geringonça” numa coisa boa. Vamos então fazer o mesmo. A RTP Arquivo tem, na verdade, coisas bonitas desta história que se escreve desde 1906.
Começo então com esta bela entrevista de 1958, onde o guarda-redes do Sporting Otávio Sá, num blazer dois tamanhos acima do seu corpo, explica o que quer dizer aquilo a que na gíria do futebol se chama “uma bola a chorar”.
Para ver a bola a chorar, há dois bons testemunhos no arquivo. Este treino filmado em 1968, sem som, a preto e branco, ainda numa altura onde a estética dominante no futebol eram os calções pela linha do umbigo, e ainda o resumo de um amigável entre o Sporting e o Paraguai, um documento oficial que comprova que o Sporting é o clube de Portugal.
Encontrei ainda esta reportagem sobre Jesus Correia, um dos cinco violinos, que contraria a ideia da minha mãe de que é pouco provável fazer bem duas coisas ao mesmo tempo: Correia foi jogador do Sporting de futebol e de hóquei em patins. Vale a pena ver os cinco minutos da reportagem, mais não seja para comprovar que em 1991 estava na moda usar como transição o efeito redemoinho do Movie Maker.
Basta correr uma pesquisa na RTP Arquivo com “Sporting” e as keywords que vos interessam - sejam elas “sporting campeão” ou “sporting crise” - para ver coisas bonitas de um clube que, mesmo nas derrotas, sempre soube sair delas como um dos maiores da Europa.
Há também coisas para ver fora da RTP que, não sendo sobre o Sporting, transpiram futebol.
Um bom exemplo é a série “Sunderland ’Til I Die”, na Netflix, que acompanha a época 2017/2018 do Sunderland, seis vezes campeão da Premier League, que se vê no percurso inverso do Sporting e acabou esse ano em último lugar no Championship de Inglaterra.
O primeiro episódio da série “Home Games” sobre Calcio Storico, disponível na Netflix, é também um valioso testemunho da irracionalidade à volta do amor pelo desporto. Esta modalidade tradicional de Florença é um híbrido que resulta do cruzamento entre o futebol e o râguebi, com toques de artes marciais, e ao lado dele até o saudoso Boavista de Jaime Pacheco parece uma equipa pouco agressiva.
Ainda para ver, há o já aqui recomendado “Ted Lasso”, série com humor de desencontros onde um treinador de futebol americano vai liderar uma equipa da Premier League, quando a nível de aptidões seria o mesmo que colocar um arquitecto a arrancar dentes.
Esta semana, é isto. Vou só ali beliscar-me, que ainda não acredito que isto seja verdade.
➡️ Também queres dizer "Acho Que Vais Gostar Disto"?
Envia esta newsletter a amigos e família, que poderão subscrevê-la
🖋️ Tens recomendações de coisas de que eu podia gostar? Ou uma review de um dos conteúdos de que falei?
Envia para geral@madremedia.pt