Acho Que Vais Gostar Disto: Amor e Monstros
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AMOR E MONSTROS
Àquela hora os semáforos na rua ainda dormiam, talvez só os locutores da rádio estivessem a pé. Naquela carruagem de metro estava eu e outras duas pessoas. A senhora trazia uma gabardina e um guarda-chuva com o qual já tinha lutado naquela manhã. O senhor, de manga curta, debaixo de um boné de uma gasolineira que teria ganho num passatempo, enterrava o olhar num telemóvel. O inverno estava para acabar e começava a primavera. Não era estranho ver no mesmo par de metros quadrados uma pessoa pronta para o dilúvio e outra para um soalheiro safari no Quénia.
Faria frio? Estaria calor? Sempre gostei deste limbo onde quem manda é a confusão. Sinto-me bem quando o tempo e o espaço trazem consigo a dúvida.
Todas as decisões ambivalentes têm qualquer coisa de sedutora. Lembro com saudade aquele Natal em que fui obrigado a escolher entre a mesa dos pequenos e a dos crescidos. Em nenhuma delas me sentia confortável: os crescidos falavam sobre coisas que ainda não compreendia e os pequenos defrontavam-se num concurso de arrotos com Fanta Ananás. Fui crescendo e este dilema entre a mesa dos pequenos e a dos crescidos foi-me aparecendo disfarçado de outras coisas: És de esquerda ou de direita? Preferes menino ou menina? Acreditas ou não em Deus?
Até no cinema sinto esta polarização que me obriga a ter de tomar um partido: filmes de amor ou de monstros? Não há um espectro contínuo, começando em “Titanic” e acabando em “Godzilla”, onde me possa localizar amigavelmente entre o amor à primeira vista e um autocarro esmagado pela pata de um réptil mutante. Não. São dois mundos sem intersecção, o do amor e o dos monstros.
Diz o Concílio da Sétima Arte, que reúne bimestralmente na sede do IMDB, que não é compatível gostar das comédias românticas do Owen Wilson e do universo de Star Wars. Ou bem que se joga na equipa de Hugh Grant em “Love Actually”, quando o vemos cantar Christmas Carols debaixo de um céu estrelado, ou bem que se é adepto de Gerard Butler, quando desmantela uma bomba de hidrogénio no nanosegundo exatamente anterior a esta poder exterminar a humanidade.
É aí que aparece “Love and Monsters” (Netflix), um híbrido que vem preencher o espaço entre a comédia romântica e o anti-herói franzino que irá salvar a humanidade da extinção.
Um meteorito entrou no perímetro da Terra e libertou qualquer coisa que fez com que os insectos, como se precisassem, atingissem tamanhos (ainda mais) assustadores. Um mosquito, outrora ao alcance de um chinelo, nesta nova realidade, só será eliminado após ação concertada de quatro caças da NASA, descarregando granadas em voo picado.
Joel é um dos poucos que sobreviveu a este cataclismo. Vive escondido num bunker, debaixo de terra, e é lá que faz a sua vidinha. Até ao dia em que decide arriscar e, seguindo a bíblia da comédia romântica, vai atrás do seu grande amor.
Fosse este um romance de encomenda, e os desafios no caminho seriam os habituais: uma diferença de expectativas entre os dois amados, uma terceira pessoa que ameaça a relação entre eles, uma possível oportunidade de emprego no estrangeiro que os obriga a afastar-se. Só que aqui não se trata disso: no caminho até ao seu amor, num planeta entregue à bicharada, Joel terá de se atravessar contra aranhas e abelhas gigantes, aprender a manusear um arco e flecha e enfrentar os seus demónios interiores.
É aqui que o filme começa a provocar-me algum desconforto, sem nunca se levar demasiado a sério, apenas com a premissa de entreter, porque enfrenta esta minha dúvida constante de querer colocar tudo em caixinhas: afinal sou dos filmes de amor ou dos filmes de monstros?
Não satisfeito com esta dúvida, o autor decide adubar ainda mais as minhas inseguranças em relação àquilo de que gosto, e introduz na história o melhor amigo do homem. Boy, um cão perdido à superfície, irá acompanhar todo o caminho de Joel por entre os perigos de uma superfície terrestre colonizada por mega-insetos, tornando impossível ver o filme sem que se escape da boca, de trinta em trinta segundos, um pouco discreto “oh, tão fofo”.
Não sei se “Love and Monsters” é uma comédia romântica com contornos apocalípticos ou se é um épico apocalíptico que se vai usando de truques do romance. Sei que é uma lufada de ar quase fresco - a queda do meteorito tornou o ar mais rarefeito - e vem contrariar esta nossa vontade de arrumar tudo em caixinhas. Para quem ainda está preso a elas, e porque não quero que vos falte nada, tenho aqui no bolso cinco propostas de cada.
Para os dos monstros:
Para os do amor:
Para a semana há mais, meus amores, e meus monstros também.
Guilherme Geirinhas
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