Acho Que Vais Gostar Disto: Olá, Pai
Olá, malta.
O meu nome é Guilherme e escrevo coisas.
Confesso-me entusiasmado mas também nervoso com a minha estreia no “Acho Que Vais Gostar Disto”, muito por culpa do nome da rubrica, que rompe com as habituais expressões menos comprometedores no universo das recomendações: “tem potencial”, “há margem para crescimento” ou “mais do mesmo”.
Prometo dar o meu melhor, antes que um leitor queira mudar o nome da rubrica para “Como É Que Se Faz Unsubscribe da Newsletter?”.
- Guilherme Geirinhas
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Olá, Pai.
Vários regimes não-democráticos vão aparecendo pelo mundo, mas há um que permanece invisível ao público: o comando da televisão em casa dos meus pais.
Como tantos outros autoritarismos, também este começou disfarçado de democracia. Em tempos chegou a haver sufrágio universal, quando escolhíamos lá em casa o que queríamos ver na televisão por votação de braço no ar. Isso perdeu-se. Hoje, governa a anarquia.
A minha irmã quer o Lady Bird pela 23ª vez. Está também aberta a ver o making of do Lady Bird.
O meu irmão diz-nos reféns das plataformas comerciais. Esgrime o telemóvel apontando para um indie iraniano, apenas disponível na Filmin.
Eu consulto a minha watchlist do Letterboxd à procura de um filme com menos de 120 minutos, compatível com o meu défice de atenção.
A minha mãe vê qualquer coisa, desde que dê para controlar no tablet um jogo cujas notificações, ainda hoje, me entram pelo sono.
E eis que entra em cena o meu pai, com o seu já habitual argumento que acaba por conquistar a sala: “deixa cá ver o que recomenda a minha newsletter”.
A newsletter de que fala é… a Acho Que Vais Gostar Disto.
Não há noite em que o comando não acabe nas suas mãos. Culpo os autores deste espaço, a Mariana e o Miguel, e as suas sábias sugestões, pelo totalitarismo que se instalou na programação da nossa televisão. Acabamos sempre por ver aquilo que o meu pai quer. É um regime injusto contra o qual não podemos competir, onde o meu pai se esconde atrás das sugestões de quem realmente percebe disto, e as usa como suas para exibição perante a família.
Pai, sei que estás a ler isto. Sou eu, o Guilherme. Sei que gostas de filmes com finais inesperados, mas hoje é a própria newsletter que tem um plot twist. Eis a minha pequena vingança.
E porque não quero discussões lá em casa, esta semana tenho uma sugestão para todos.
À minha irmã, que devia fazer um intervalo em Saoirse Ronan, vou recomendar o Parasites que está disponível na HBO Portugal desde o dia 1 de Abril. Não é mentira.
Ao meu irmão, que se recusa a ver algo do circuito pop, recomendo o documentário Three Identifical Strangers, uma história real sobre três estranhos que acabam por descobrir aos dezanove anos que são trigémeos. Está na Netflix.
À minha mãe, que está neste momento a bater recordes, sugiro o recente Operation Varsity Blues, um documentário sobre o escândalo do acesso às universidades nos Estados Unidos, que pode muito bem dividir a atenção com um jogo de telemóvel. Está na Netflix.
Por fim, ao meu pai, que gosta de projetar a paternidade em todos os filmes que vê, recomendo o Palmer, saído este ano, que conta a história de um pai improvável. Está na Apple TV Plus.
Pacientómetro | #OscarsEdition
Os Óscares acontecem na madrugada do dia 26 deste mês.
Longe vai o início do milénio, quando os grandes vencedores da cerimónia eram blockbusters com mais figurantes do que a população do Luxemburgo.
Este ano teremos o triunfo dos filmes existencialistas, das histórias contemplativas que usam os silêncios para transmitir a sua mensagem sem precisar de sound effects orelhudos. É um reflexo daquilo que foi o próprio ano, onde o tempo demorou mais a passar.
Com todas as coisas boas que isto traz, são também filmes mais difíceis de ver do que o habitual.
É por isso que, numa análise pragmática, pouco dada a adjetivos superlativos, os organizo de seguida num ranking onde o critério é somente um: a Paciência. Do mais fácil de ver ao mais difícil, eis o meu Pacientómetro. É apenas um guia que eu próprio gostaria de ter tido acesso, na hora de decidir o que ver, consoante estivesse num dia bom ou num daqueles em que só me apetece sentar no chão do duche com a água a bater na nuca.
1º lugar - The Trial of the Chicago 7
De todos os nomeados, o mais fácil de ver é este filme de Aaron Sorkin para a Netflix. Apesar de claustrofóbico, já que metade da ação se passa num tribunal, o filme tem todos os outros ingredientes que ajudam a que o tempo passe e não demos por ele: caras conhecidas, diálogos acelerados (ou não fosse escrito pelo argumentista que tem a mais alta média de palavras por minuto de toda a indústria) e uma história que, por si só, nos cola ao ecrã. O da televisão, não do telemóvel.
2º lugar - Sound of Metal
Em segundo coloco o underdog desta lista. Uma espécie de Paços de Ferreira da paciência: ninguém dava nada por ele mas está a lutar com os grandes. Sound of Metal é uma história de aceitação pessoal com a qual é fácil de empatizar. O problema do protagonista é uma surdez repentina, o nosso poderá ser outro. Mas identificamo-nos com todos os passos que ele dá, projectamos o seu caminho na nossa própria experiência, o que faz com que o próprio espectador seja quase um actor secundário. Talvez por isso o tempo passe tão rápido a vê-lo.
3º lugar - Promising Young Woman
Promising Young Woman é um filme que nos dois primeiros actos se desenrola à velocidade supersónica da voz-off que debita os efeitos secundários num anúncio de um Brufen, mas que se perde no último acto e descarrila para um final ao estilo de Cats. É o filme mais “pipoca” de todos os nomeados.
4º lugar - Nomadland
Há fórmulas para quase tudo: para fazer arroz, para aprender a falar alemão, até para ser feliz. Para o luto, ainda não inventaram uma solução. É por isso que Nomadland é especial. Fala-nos de algo que tememos, sem nos dar falsas esperanças. Não há forma de o tempo passar mais rápido do que com a verdade.
5º lugar - Minari
Ao contrário de Promising Young Woman, é no último acto que Minari nos dá um soco no estômago. Até lá, o filme demora a arrancar e às vezes dá vontade de ver em velocidade 1,5x. Apesar de ser um filme também ele contemplativo, é o mais perto que temos da ficção científica este ano, tal é a improbabilidade de termos uma avó que durante duas horas nunca troca o nome dos netos uma única vez.
6º lugar - Mank
Há muitos bons filmes recentes a preto-e-branco, lembro-me logo do Roma, mas é mais fácil vê-los a cores. Nem preciso que me dêem todo o espectro, bastam as cores primárias. Dêem-me um magenta pelo menos. Estou a meio deste Mank. Falarei dele mais tarde quando o acabar, lá para 2029.
7º lugar - The Father | Judas and the Black Messiah
Espero ter coisas para dizer sobre ambos, mas ainda não os vi. De todos, estes dois são aqueles que pedem mais paciência, nem que seja para os encontrar numa plataforma.
Na próxima sexta-feira há mais. Até lá, esta terça-feira, a Mariana e o Miguel trazem coisas realmente boas para vos recomendar.
O que é que vamos ver este sábado, pai?
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